quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

COMO NASCE UM “BLOGUE”… (8º Episódio)

Marvão é um concelho a saque, já há alguns séculos…

Explorado em primeiro lugar pelos seus vizinhos mais próximos, mas também, não faltam registos de cobiças mais longínquas, como foi o caso protagonizado pelos feudatários ingleses, que no princípio do século XIX, e após mais uma cruzada para nos defenderam dos espanhóis e franceses, arrebataram de uma assentada, como tributo dos marvanenses, cerca de vinte estátuas romanas de mármore, do sítio de Ammaia, para enfeitarem os jardins desse reino prostituído, que ao abrigo da mais velha aliança entre estados europeus, se tem servido das poucas abastanças dos desprotegidos lusos.
E não faltam histórias, da espoliação deste património ao longo dos tempos, desta antiga cidade romana para a capital centralizadora e que fazem gala nos museus nacionais como se aí pertencessem.

Mas voltando às relações de vizinhança, longe vêm ainda os tempos em que os dirigentes dos concelhos limítrofes cobiçarão as características impares deste concelho e a sua beleza natural, para as usarem como fonte de proveito para atrair turistas, que explorarão nas suas terras, sem jamais se importarem de abonar alguma contribuição para o desenvolvimento destas nobres gentes, que se têm sacrificado e esforçado para manter em bom estado esta dádiva da natureza.
Mas nem sempre, estes vizinhos se confinaram indirectamente a colher os proveitos destas terras. Tempos houve em que não se coibiram de vir aqui buscar pessoalmente, alguns dos erários pertencentes ao termo desta vila, como foi o caso, já referido anteriormente do conto de réis, levado em 1895 pelos regeneradores castelovidenses, não constando, em qualquer documento histórico, que alguma vez tenha sido devolvido e que como sabemos, foi Xico Bugalhão, credor de cinco meses de jornas em atraso e até hoje nunca liquidados.

Foi também o caso da vandalização histórica a que José da Quinta, (o serrador de pau-e-pinho que se apaixonou pela marvanense de olhos cor de caruma de pinheiro), assistiu nesse ano de 1898, quando acabava de ser solto do cárcere judeu, onde esteve a cumprir pena, por não se ter apresentado voluntariamente, em tempo próprio, ao recenseamento militar obrigatório, após ter decidido que, se a sua terra tinha ficado sem concelho, se deveria recusar a apresentar aos de Castelo de Vide. Só que o representante de sua majestade não pensava assim e mandou buscar o serrador, e depois de umas vergastadas no lombo, sentenciou que o encarcerassem durante dezoito meses, no calabouço castelovidense, para exemplo de outros.

Acabou o da Quinta, de cumprir a sua punição em Março de 1898, começando então a aperceber-se, que afinal, o concelho de Marvão já tinha sido Restaurado. Se é que tal termo se deveria aplicar, pois o que constava é que havia sido devolvido, por ordem dos progressistas centrais do luciano e do frenético citrino, agora no governo da nação. Tendo em conta, que o termo restaurar implicava intervenção ou acto de reparar, ou mais ainda, manifestações, revoltas, greves de fome, vereação barricada na Torre de Menagem do Castelo, etc., e como já sabemos, tal nunca foi feito por aqueles que iriam passar à história como os “restauradores do concelho”.
Mas se para os de Marvão, pelo menos as suas modestas gentes, o ter sido restaurado ou devolvido o termo era indiferente, ou como quem diria, igual ao litro, já para os de Castelo de Vide, tal facto era uma perda e mesmo descida de divisão, pois passariam a ser terceira, quando eram de segunda, e a teoria de transformar derrotas em vitórias ainda não era desses tempos.

Marchava então José da Quinta, após a libertação do cumprimento da sua pena como preso político, ou mais a propósito, de prisioneiro de paz em terras estrangeiras em direcção a nascente, que era o mesmo que dizer, em direcção à fonte. E isto, bem se poderia dizer com propriedade, e não apenas em sentido de orientação, pois quase sempre, desde que o mundo é mundo, que estas terras de Marvão vêm alimentando o concelho vizinho, quer de águas, quer também de tudo aquilo que estas ajudam a criar, seja vegetal ou animal.
E não se pense, que ao longo dos tempos, o aproveitamento dos recursos marvanenses pelos castelovidenses, se ficou por estes indispensáveis recursos nutricionais, pois tempo houve, em que até as pedras aqui vieram buscar, as ornadas, claro, porque as outras faziam calos! Foi o caso das que constituíram o famoso Arco da Aramenha, roubado em 1735 do local onde tinha nascido há mil e quinhentos anos, na já citada cidade romana da Ammaia, e acarretado para embelezar a entrada leste desta disforme vila judaica, ou quem sabe, talvez, para lhe confinar os limites e os manter intra muros. Só que, como sabemos, ao longo da história, sempre esses semitas tiveram comportamentos expansionistas, e como tal, não se coibiram acerca de dois anos atrás de anexarem as terras do concelho chegado, que agora foram obrigadas a devolver.

Preparava-se pois, José da Quinta, para sair da vila que o mantivera aprisionado durante ano e meio e já via, no curto horizonte, o imponente Arco da Aramenha. Monumento esse, que sempre ouvira dizer ter sido saqueado da quinta onde nascera e que tinha dado origem ao seu apelido, onde se dizia que estava soterrada uma importante cidade romana e que tinha sido acarretado para ali, já lá iam cento e cinquenta anos.
Mas o que fez chamar a sua atenção, não foi a beleza do Arco, nem sequer a sua magnânime arquitectura, pois como já sabemos, não possui o serrador competências para tais avaliações, para ele a única apreciação é a de que aquilo havia sido roubado à sua terra, e isso, era motivo suficiente para não gostar destas gentes.

O que ele está agora observando, é um magote de gente rude, equipada de picaretas, martelos, marretas, marrões e outro tipo de material bélico, comandados por meia dúzia de militares sujos e mal fardados, e que já deitaram abaixo mais de metade do Monumento furtado.
Com ingenuidade, pensou ainda, o da Quinta, que uma vez que tiveram que devolver os papéis dos arquivos ao concelho anexado e então restaurado, certamente, se preparavam para restituir o Arco furtado aos seus primórdios, a Quinta da Aramenha. Mas rapidamente se apercebeu, que não seria esse o fundamento da destruição, quando viu estampado no rosto dos semitas a raiva, com deitavam abaixo cada pedra, e se ouviam os seus comentários ameaçadores que iam vociferando contra os espanhóis marvanenses, dizendo já que nã pertancião a Castele de Vade, tamém nã tinhão quê dêxar ali rasto da su axistância, ê se qriam as padras, cas as viessam buscá...

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

COMO NASCE UM “BLOGUE”… (7º Episódio)

UM POUCO DE POLÍTICA...



Ao longo dos tempos sempre se disse que um dos melhores ofícios era o de Cantoneiro.
De quem se profere, com maleficência claro, só se verem trabalhar quando alguém passa na estrada, sem nunca se referir, no entanto, se será de veículo motorizado, ou simples transeunte que circule, gastando as solas dos sapatos ou, montado em animal de quatro patas.

Se de veículo a motor se tratasse, quão bela seria a vida que Xico Bugalhão levaria como Cantoneiro assalariado da autarquia marvanense, naquele final de século dezanove de 1895. Pois constava, que há apenas alguns dias havia chegado a Portugal, vindo de terras de França, o primeiro panhard & levassor. Do qual se dizia, que a sua primeira façanha, teria sido a de atropelar um incauto burro, que pastava sossegado nos campos do Alentejo.
Dizia-se ainda que, como lhe não haviam inventado buzina, certamente por isso não pode o quadrúpede ser avisado, começando o seu condutor, o senhor conde de avilez, aos gritos de: “arreda…arreda”, só que, não estando o competidor habituado a linguagem tão erudita, não percebeu, o que lhe seria fatal.

Contribuiu este facto, para que antes de tal invenção humana fosse baptizada de automóvel, carro, viatura, auto, popó, carriola, bate-latas, caranguejola, veículo, geringonça, automotor, ripolam, charrueque, calhambeque, carripana, bolinhas, etc., fosse o seu primeiro nome em terras lusitanas, o de “máquina do diabo”. Certamente, por ter atropelado o nobre animal, que no estábulo sagrado havia amornado aquele que seria cognominado como filho de deus dos cristãos, após ter alombado com sua mãe, da Galileia até Belém.

Xico Bugalhão era o segundo filho de José Bugalhão e Teresa Gonçalves (a já referida progenitora que, amamentava os filhos no intervalo de uma cartada na tasca), o qual terá vindo ao mundo em meados dos anos setenta do século XIX. Quis o destino, que o seu primeiro ofício fosse de Cantoneiro de estradas do município, se tal se podia chamar às míseras carreteiras de terra batida que atravessavam o concelho de Marvão naquela época, onde ainda não havia chegado o alcatrão. Matéria preciosíssima no futuro, sobretudo, quando autarcas candidatos pretenderem ganhar eleições, lançando essa massa preta para os olhos dos ingénuos eleitores.

Não se fez velho nesta ocupação o Cantoneiro, pois como já sabemos de episódios anteriores, o seu futuro será o de contribuir para transmutar grão em farinha, do qual se fará muito do pão que matará a fome a estas gentes. Mas não se pense, ter sido por falta de predisposição para o remanso de que este ofício é apelidado, que Xico resolveu mudar de ramo, pois não terá sido esse, o fundamento. Aliás, não terá sido apenas um, mas dois os motivos relevantes a influenciar o processo de tomada de decisão, do futuro moleiro.

O primeiro, já o havíamos aportado em episódios precedentes, que era a circunstância de nunca ter lidado bem com essa situação funcional, que é a de ser-se trabalhador por conta de outrem. Mesmo que esse outrem seja uma entidade abstracta, como é o caso do Estado, seja ele o central, ou o local como era a circunstância.
E bem podemos afirmar que esta imaterialidade, nunca terá tido uma aplicação tão adequada já que, há mais de um mês, os representantes locais desse Estado, logo, os patrões do futuro moleiro, haviam abandonado as suas funções e responsabilidades, para as quais haviam sido “meio-escolhidos” “meio-nomeados”, e tinham ido às suas vidas, despedindo-se à espanhola, pois o governo regenerador do ribeiro, por decreto, os havia mandado às urtigas sem outra justificação que não fosse, a de os considerar incapazes, e gastadores dos poucos dízimos gerados por uma gente de desventurados e pelintras.
Para além desses predicados que o regenerador ribeiro utilizou, para destituir a legítima vereação municipal do magalhães, e extinguir concomitantemente, o concelho de Marvão integrando-o no de Castelo de Vide; dizia-se por estas bandas, à boca-pequena, que estes haviam sido ainda burlados pela oposição progressista do frenético (frederico) laranjo, ao prometer-lhes que estivessem sossegados em suas casas, que não levantassem ondas e mantivessem na ordem as ingénuas e boas gentes marvanenses, que ele se encarregaria de os incluir na vereação futura do município castelovidense, quando o seu partido ocupasse o poleiro da vila. Só que tal nunca veio a suceder, porquanto os regeneradores judeus não estavam para aí virados, e como de costume, não cumpriam o acordado com o citrino.

O segundo, tinha razões mais objectivas e menos filosóficas. Tinha pois a ver com uma das maiores pragas sociais de sempre, desde que o mundo é mundo, ou pelo menos, desde que os romanos haviam passado a pagar aos seus colaboradores, em sal, os serviços por estes prestados, denominando pomposamente, tal facto, de “salarium argentum”. Termo esse, que viria a ser reduzido pelos portugueses, abreviadamente, para salário.
E no reduzir é que estava o problema. Aliás, nem era bem o reduzir, até se poderia afirmar, com mais propriedade, que seria o reduzir à fórmula ínfima, isto matematicamente falando, o termo exacto era suprimir.
E com salários suprimidos, ou melhor, como se diz por aqui, jornas em atraso, já o Cantoneiro Xico Bugalhão leva quase cinco meses, sem que lhe seja dado a ver a cor do dinheiro para as sopas. Julho, Agosto e Setembro, quando o empregador ainda era o município de Marvão. Outubro e o que resta do mês de Novembro, cujas responsabilidades têm que ser imputadas aos de Castelo de Vide; que, apesar de se andarem por aí a gabar em discursos pacóvios, como foi o caso do pinto sequeira, o de ter sido um grande melhoramento a integração do concelho vizinho, o facto é, que continuou a não cumprir com as suas mais elementares obrigações, como seja as de pagar o tal salarium argentum aos seus empregados. Apesar de ter retirado dos cofres da Câmara de Marvão a quantia de um conto de réis, quantia que, naquela época, seria mais do que suficiente para saldar as jornas com esta gente trabalhadora.

Como já foi contado, andaríamos por essa altura, em meados do mês de todos os santos, menos o de são receber. E o Cantoneiro Xico, com outro seu camarada de ofício, estavam a endireitar as suas cruzes, depois de terem debelado, mais uma das valetas feitas pelas chuvas, na carreteira entre a Portagem e a sede do finado concelho de Marvão, perto do lugar das Ferrarias, quando repararam, que se acercava deles um grupo com cerca de uma dezena de cavaleiros, a galope em suas cavalgaduras.
Arrazoavam alto, quase aos berros, com uma pronúncia estranha de ilhéus, e puderam os dois marvanenses ouvir claramente, um dos valetes a dizer para o do cavalo baio, de que não havia mesmo qualquer dúvida, que estes marvanenses estavam mesmo satisfeitos por pertencerem ao concelho de Castelo de Vide, e que tal como ele havia referido, para que constasse nos tempos futuros, tudo corria na melhor ordem e sossego. Bastava ver a consideração que revelaram estes dois trabalhadores, que até se puseram em sentido, assim que nos viram aproximar.

Ao ouvir tal arengo, questionou Xico Bugalhão o seu camarada, sobre quem seriam tais figurões? E o que fariam por estas terras esquecidas?
Ao que aquele respondeu:
- Atã…ò Xique, sã os nossos noves patrõs. Aquele éi o presedente da cambra de castel`vide, ô sequêra da costa, …e o papagai falante éi o secretare d`ele, andão nas elêçõs. Mas…os mal creadons, nein nôs desserem bom dîia, nein q’ando nos pagavão…

Está agora Xico Bugalhão, ainda com a picareta na mão, olhando os facínoras judeus a afastarem-se velozmente.
As palavras do seu consorte de desventura, começaram a revoltar-lhe as entranhas e, atirando o seu utensílio de trabalho, violentamente, contra a sebe, lá foi andando e dando conta de sua deliberação, para que também constasse em tempos futuros:

- A partir desse dia, não trabalharia durante toda a sua vida, para mais cabrão nenhum, nem que tivesse que expirar à fome…arre cos pariu!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

COMO NASCE UM “BLOGUE”… (6º Episódio)

UM POUCO DE HISTÓRIA...


José da Quinta, pai de Luísa, viria a falecer em 1957, por mero acaso, ano de início das emissões regulares de televisão em Portugal.
Morreu desventurado, como sempre viveu, em lugar para pobres e indigentes, na misericórdia do concelho que o viu também nascer.
Antes de aí ter sido colocado pelos filhos, tinha vivido os seus últimos anos em casa de seu filho mais novo, homem remediado, que fazia dele o descendente com melhores posses para amparar o seu procriador.

Expirou só, certamente ao início da noite, pois, quando o encontraram de manhã, já estava mais resfriado que o caramelo em noite de inverno e, só com muita dificuldade lhe conseguiram vestir os seus trapos menos usados, para que tivesse uma afiguração mínima, quando encarasse, no outro mundo, o apóstolo das chaves.
A mesma ventura não teve em relação ao calçado, pois para além da tesura articular que já apresentava, quando lhe tentaram enfiar umas botas que lhe tinham arranjado, de dádiva qualquer, rapidamente concluíram ser tal lida impossível, pois estas eram de tamanho trinta e nove e o da Quinta sempre calçara o quarenta e dois. Mas tal não impediu que o finado as levasse a seu lado, por indução do seu genro Manuel, que logo ali alvitrou, que as metessem no caixão, que ele teria muito tempo para as domar e calçar lá na outra vida...

Viveu José da Quinta cerca de oito décadas. Era assim conhecido porque seu pai vivia numa quinta, e quando se encontrava na flor da idade, por volta da sua vintena de anos, foi bafejado pelo acaso de ter assistido ao fenómeno da mudança de século, do dezanove para o vinte.
Foi portanto José, que da Quinta lhe chamavam, atestador ocular de diversos acontecimentos peculiares, que sempre marcam estas datas de mudança de século. Mas dos quais, após cem anos, apenas nos chegam alguns ecos e às vezes distorcidos, ou dados memoráveis, que relatam apenas a versão dos predominantes, ou triunfantes quando de pelejas se tratar. E isto nos tempos que correm, em que o domínio da escrita é quase universalizado.

Cogitemos agora, como seria há dois mil anos, como aconteceu com a escritura do livro histórico mais importante da comunicação escrita, que apenas começou a ser registado trezentos anos após os acontecimentos mais relevantes que aí se contam, e ainda por cima, sobre alguém que dizem ter nascido como uma criatura banal e de quem apenas fizeram monarca após o seu fenecimento.

Não foi o caso desta nossa personagem, que nem a valete chegou (apesar de serem as cartas, muitas vezes o seu objecto de trabalho, como já referimos precedentemente) …e por isso, as dificuldades, para o autor destas pobres crónicas, se tornam acrescidas.

«Não eram fáceis os tempos, desse final de século.
No país reinava, carlos fernando luís maria vitor miguel rafael gabriel gonzaga xavier francisco de assis josé simão e vicente de fora, aquele que haveria de ser o único rei a ser assassinado publicamente, pelo menos que se saiba.

Havia subido ao trono em 1889, quando tinha vinte e cinco anos de idade, sucedendo a seu pai. Portanto há cerca de meia-dúzia de anos, por altura dos acontecimentos que agora aqui se narram.
Desde que o filho de maria pia reinava no país, constava por estas bandas, que os seus governos de regeneradores e progressistas, se sucediam quase com a frequência com que as marrãs parideiras dão à luz os seus bacorinhos, isto é, aproximadamente de três meses e vinte dias.
A situação do país, essa porém, era incessantemente a mesma, nem piorava nem melhorava, sobretudo, porque não podia piorar mais.

O da Quinta era um pouco mais novo que sua majestade e teria em 1895, aproximadamente dezoito anos de idade. E dizemos aproximadamente, porque isto de atribuir idade a um plebeu nessa época, não era exactamente o mesmo que atribuir anos ou nomes a um rei, pois os seus assentamentos nem sempre correspondiam à idade que um maltês levava no pêlo.
Vivia o mancebo em casa de seus pais, numa quinta entre S. Salvador que alguns denominam da Aramenha, e os Alvarrões, no sítio da Rasa. E com esta idade, já se poderia dizer que era um mestre na serração de pau e pinho. Pelo menos enquanto o sol brilhava no horizonte, porque essa revindicação das oito horas de trabalho diário, ainda levaria uns anos a chegar por cá, pois ainda há pouco tempo que tal invenção, teve o seu início do lado de lá do Atlântico, e tenhamos em conta que a televisão ainda não havia sido inventada.

Era já forçoso nessa época, que ano em que se completasse dezoito anos de idade, deveriam os moços dirigir-se às sedes de seus concelhos, sobretudo, se de varões se tratassem, para aí serem recenseados para o serviço militar. E assim procedeu o serrador da Quinta. Tendo completado essa idade no mês de Novembro desse ano da graça, subiu o serrador as ladeiras a caminho de Marvão, para que aí tomassem nota de seu nome, como rapaz perfeito e viril que se prezava de ser, e capaz de proteger o reino do senhor da casa de bragança.


As Portas da Vila

Não se pense que Marvão era como nos dias de hoje, conhecido por meio mundo, pois este trabalhador de madeira bruta, sempre viveu aqui nas encostas deste monte, e está agora a dirigir-se pela primeira vez na sua vida, aos refúgios de ibn marwan. Não admira por isso que vá enganado.

Ao cruzar os arcos das portas da vila, não perdeu o serrador muito tempo a admirar a sua esplendorosa arquitectura, a tanto não o ajudavam os seus saberes, e como não tendo por ali vislumbrado alma viva a quem perguntar onde seria a Câmara Municipal, resolveu subir a rua que o havia de levar à praça do pelourinho.
Ali chegado, deduziu que estaria no centro da vila, pois estes locais de fazer justiça, quase sempre ocupam lugares privilegiados e centrais, para que todos aí tenham acesso com facilidade. Mas neste caso, continuava o serrador, sem enxergar alguém que o informasse de suas dúvidas, e foi com dificuldade, que no meio do nevoeiro que sempre aqui mora, por esta época, que lhe surgiu a figura de uma mulher de meia-idade embrulhada num xaile, a quem o serrador perguntou onde seria o local que procurava.

Não obteve o da Quinta qualquer resposta imediata por parte da musa, como seria o de lhe responder, simplesmente, que deveria ser ceguinho, pois não via que era mesmo ali em frente dos seus olhos. Ou então, ainda com mais perspicácia, como a resposta…do que o que vossemecê quer sei eu!
Mas não, em vez de resposta simples, recebeu um sorriso irónico, tão característico das mulheres quando sabem, mas não querem dizer, que o deixou completamente aos papéis.

Preocupado como estava em chegar ao sítio que procurava que não reparou o jovem serrador, num primeiro momento, nas feições graciosas da sua informadora. Nomeadamente, no brilho esverdeado de seus olhos, que assim de repente, lhe fizeram lembrar a cor da caruma dos pinheiros, que diariamente tirava dos troncos que ia cerrando.
Tão enfeitiçado estava nas feições da mulher, que quando deu por si, só já apanhou a parte final de seu discorro, no qual a marvanense lhe anunciava que a Câmara de Marvão já não existia! …

Vai já o serrador da Quinta, descendo a encosta pela nascente, através da calçada romana que o há-de levar à Portagem. A voz da marvanense, de olhos da cor de caruma de pinheiro, continua a ecoar nos seus ouvidos e penetrando nas profundezas dos seus neurónios, como uma música de intervenção.
Conseguia agora recordar toda a sua conversa sobre a Câmara, que houvera encerrado há cerca de um mês, por ordem do governo regenerador do ribeiro, que o concelho de Marvão havia sido apagado, que o presidente magalhães e os vereadores pinheiro, forte, serra e rosado, talvez enganados pelos progressistas, haviam aceitado esta decisão como cordeirinhos; assim como o administrador afonso e o secretário pinto de Sousa que tinha entregue todo o Arquivo ao judeu castelovidense; tudo sem qualquer revolta, metendo todos o rabo entre as pernas e lá tinham ido chorar lágrimas de crocodilo para o regaço das suas esposas; que parecia que já não existiam homens com eles no sítio por estas paragens, que fosse a Maria da Fonte destes lados para comandar o povo e a história seria outra…, que se devia ter exigido se se tinha que extinguir um concelho que fosse o de Castelo de Vide, que sempre nos haviam enganado e vivido à custa do suor desta nobre terra, que agora pertencia ao termo de Castelo de Vide…onde ele se deveria dirigir se quisesse dar o nome para servir tal canalha, etc., etc.…»

Praça do Pelourinho...ou do encontro.

Parou agora por momentos o serrador e levando a mão ao bolso, procura aí a sua pataca de tabaco.
Enrola calmamente um cigarro, acendendo-o de seguida, virando-se na direcção do monte do castelo e, de repente…pareceu-lhe ver no meio do nevoeiro a marvanense de olhos verdes…

domingo, 3 de fevereiro de 2008

RENDIMENTOS DO CAPITAL GENÉTICO...

Escrito por: Mata Borrão

Era Agosto, no fim da tarde longa, quase escuro, quase noite.
Numa pequena calçada que subia do rio Sever até à estrada da Ponte Velha, um magote de gente alegre, muito alegre mesmo, sobe lentamente o caminho.

Entre eles o Manel, felicidade estampada no rosto, pequeno e enrugado, os olhos pequeninos de riso…Todos riem, todos falam, a alegria é tanta, que até entontece.
De repente, o Manel agarra na neta mais velha por um braço e desata a dançar e a cantar.


A eira onde talvez tivessem dançado pai e filha de Chico...


Todos param a aplaudir, a comentar e a rir ainda mais.
A dança corre periclitante, pois a calçada é inclinada. A cantiga é a “do cigano”.Conta a história da vida dele, que não corre nada bem, ao que parece…
De entre todos, vê-se o Chico, contente da vida por ver o pai e a filha a dançar, mas… não me lembro da cantiga. Como eu gostava de me lembrar da cantiga do cigano, que o Manel cantava, enquanto dançava com a neta mais velha e todos os bugalhões riam, comentavam e aplaudiam.



Restos de um Marvão esquecido...e de sonhos perdidos.


Que feliz eu era, e não sabia.


...e sempre o Sever: Testemunha dos tempos