domingo, 27 de janeiro de 2013

Estado Social e “sacrifícios” inter-geracionais...


"Então mas se aos 30 anos de idade, ainda querem andar a viver à custa dos “orçamentos” e aos 60 já querem estar reformados, o que pensa esta geração contribuir para o tal “estado social” que reclamam?"

Em 1967 tinha eu 10 anos de idade, e acabava de concluir, o então denominado Ensino Primário ou Básico, que se resumia à conclusão de 4 anos de escolaridade, que culminavam com o então exame da 4ª classe.

Com um pouco de vaidade da minha parte, essa aquisição tinha sido conseguida com a distinção de Bom, como pronunciava no Diploma da altura. Esta situação, não era muito comum nos meninos do campo e pobres como eu. O normal era, em situações idênticas, esse período de escolaridade se prolongarem por seis ou sete anos, e depois os mestres concederem, às vezes um pouco “por favor”, o dito atestado, porque o rapaz ou rapariga, já estavam em boa idade de começarem a moer o lombo através do trabalho que os esperava, e, para isso não precisavam de ser doutores.

No meu caso, tal destino de vida não se afigurava lá muito fácil, já que, para além da minha tenra idade, quis o desdito, que eu fosse um jovem de corpo pequeno e franzino, que até me tinha valido a alcunha do “joão pequenino”. Talvez por isso, a família e a vizinhança lá começaram a aliciar meu pai, que o gaiato ainda não tinha corpo para trabalhar, e como até tinha algum jeito para as letras, que deveria fazer-se algum esforço, e, tentar mandar o “artista” continuar a arte dos estudos.

Tinham aparecido por essa época, as chamadas “telescolas”, que ministravam o então ensino preparatório, com duração de dois anos. Esse modelo, baseado no uso das novas tecnologias de então, usava televisão como auxiliar, ou principal, meio de ensino, e, possibilitava a iniciação do secundário em todos os lugares que possuíssem electricidade, um aparelho de televisão, e claro, um Professor orientador.

No entanto, os custos com as Propinas para frequentar esse ensino eram de uns proibitivos 200 escudos por mês. O que, quer dizer, só para isso era preciso um orçamento aproximado de 1 800 escudos anuais (200 x 9 meses), aos quais havia que acrescentar custos de livros e materiais, num total, que no mínimo, rondaria os 2 mil e quinhentos mil reis.

A minha família vivia nesse tempo, com grandes dificuldades financeiras, e numa economia de subsistência. Minha mãe tomava conta da lida casa, era lavadeira de algumas casas da vila de Marvão, e ainda tomava conta da pequena horta arrendada, de onde tirávamos alguns bens alimentares para o sustento da família; meu pai, assumia os trabalhos mais pesados no amanho dessa horta e, sazonalmente, talvez numa média de 6 messes por ano, ia trabalhando por conta de outrem em actividades que iam da colha da azeitona, às ceifas; mas a sua grande vocação, era o tratamento dos “vimes” (planta para fazer vergas para cestos e cadeiras), que ia da limpeza ao corte, passando pela sua debulha e secagem. Os meus dois irmãos mais velhos haviam casado recentemente, seguindo por conta própria as suas vidas.

As necessidades básicas da economia familiar, ao nível interno, eram suportadas pela produção dos géneros alimentares que cultivávamos na horta. Com os parcos rendimentos que obtínhamos da venda de alguns excedentes, lá íamos fazendo frente à aquisição de alguns fertilizantes e novas sementes que era preciso renovar, para que a terra se não cansasse dos mesmos espécimes. Ao nível externo, as aquisições (importações), eram suportadas pelos rendimentos das jornas sazonais ganhas pelo meu pai nas actividades supracitadas, que rendiam cerca de 40 escudos por dia (tendo trabalho apenas em 6 meses por ano). Os rendimentos obtidos pela minha mãe, como lavadeira, eram para aquisição de algum vestuário, e dinheiro “para as linhas”, como então se dizia.

Vivia assim, em equilíbrio estável, a nossa economia familiar. Pobres, com muitas dificuldades, mas sem dívidas. Responder a um desafio, de investir 2 500 escudos, num orçamento familiar anual de 4 000 (63%), para por um filho a estudar numa qualquer telescola, era um desafio quase inconcebível!

Pergunto-me, ainda hoje, como terão meus pais conseguido responder a tal proeza. Ficar praticamente com 150 escudos por mês, para fazer face à aquisição externa dos essenciais bens de sobrevivência, tais como pão, açúcar, combustível para a alimentação de um candeeiro de iluminação a petróleo e, claro, a indispensável onça de tabaco “Duque”, para o Manel Buga matar o vício, não deve ter sido tarefa fácil, nem ao alcance de um qualquer “gaspar” da época!

Eu respondi fazendo a minha parte, realizando em 2 anos, o tal Ensino Preparatório. Mas depois, outra coisa não me restou, aos 12 anos de idade, que começar a trabalhar na Celtex em Santo António das Areias. A meus pais não podia pedir mais, o esforço já tinha sido colossal, e, a partir daí, toda a minha formação académica foi por mim custeada.

Fazendo uma breve analogia entre o passado e o presente, podemos verificar, que nos dias de hoje, um aluno do Ensino Superior paga, no máximo, 1 000 euros/ano de Propinas. Este valor é, praticamente, o rendimento de um mês de salário de um português com rendimentos médios. Comparando este valor, com o que meu pai pagava para o seu filho frequentar o Ensino Preparatório, rapidamente concluimos, que em 1967 para pagar 1 800 escudos, o meu pai teria que trabalhar, se trabalho arranjasse, pelo memos 2 meses, o dobro do que precisa actualmente um pai (ou mãe), para ter um filho na “Facoldade”.

É por isso que vejo, oiço e leio, com grande dificuldade de compreensão que, actualmente, homens e mulheres com 23 e 24 anos de idade, lamentarem-se que vão ter que começar a trabalhar para custearem os seus estudos, às vezes já com 15 e 16 anos de escolaridade para trás, nem sempre com aproveitamento, a viverem à custa dos pais, e, de um Estado falido mas benévolo, que tudo suporta.

Então mas se aos 30 anos de idade, ainda querem andar a viver à custa dos “orçamentos” e aos 60 já querem estar reformados, o que pensa esta geração contribuir para o tal “estado social” que reclamam?

Em minha opinião, entre os 18 e os 20 anos, é já mais que tempo de começarem a vergar a mola, e com o que produzirem custearem a tal Formação que tanto reclamam, porque a Democracia não tem apenas direitos, mas também exige alguns deveres, e o Estado Social não nasce do céu...

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