segunda-feira, 10 de março de 2014

Serão apenas números? Ou anda por aí muita gente a reclamar de barriga cheia?


Nota prévia: Também posso falar dos políticos, dos capitalistas, dos banqueiros, dos juízes, dos americanos, dos ucranianos, do futebol. Mas hoje não me apetece!

Neste domingo durante o almoço, ao contrário do que é habitual, pois quase sempre existe unanimidade e consenso nas nossas conversas, gerou-se uma pequena discussão contraditória, quando minha irmã me referiu, que eu estou sempre contra os professores, e agora também os polícias! E eu defendi que não estou contra os professores nem os polícias, o que eu digo é que estes profissionais, quando comparados com outras carreiras de serviço público (sem falar do sector privado, que aí a diferença é abismal e escandalosa), andam a protestar de “barriga cheia”.



Claro que podemos sempre partir do princípio de que todos os assalariados em Portugal estão mal pagos (espero que com esta crónica não ser comparado com as opiniões do belmiro!). Se for para discutir “sonhos, ou imaginários”, eu assino por baixo, e garanto que nem sou dos piores. Se for para falar de realidades, porque as coisas são o que são, então vamos a isso. Também não vale a pena entrar na discussão esteril de quem, de todos os servidores públicos, serão os de maior importância no seu papel social, porque também aqui, e se existem, é porque talvez todos sejam importantes.

Nem de propósito, hoje o Jornal Público (espero que não a mandado do belmiro), apresenta um estudo com o título, “Onde trabalhavam os 563,5 mil funcionários públicos em 2013”. Esse estudo não se resume a informar onde trabalham, vai mais longe e diz-nos: quantos são por carreira, e os seus vencimentos médios mensais.


Figura 1 - Trabalhadores por Carreira na Administração Pública

 Fonte: Jornal Público (Clicar sobre a imagem para ver melhor)


Assim como se pode ver aqui, no final de 2013 eram 563 500 o total de Funcionários Públicos em Portugal, menos cerca de 50 000 do que eram no final de 2011 (aproximadamente - 9%); 56% são mulheres e 44% são homens; 74% trabalham na Administração Central, 20% na Administração Local, e 6% na Administração Regional.

Na figura 1, podemos verificar que a Carreira com mais pessoas é a dos Docentes e Educadores de Infância (129 312) representam 23% de todos os Funcionários Públicos. Já as pessoas ligadas ao sector da Segurança: Militares, Polícias e GNR, o seu total são 75 492 pessoas, que representam 13%. O que quer dizer que, só estas Carreiras representam 36% dos Funcionários Públicos. Atenção que não estou a dizer se são muitos, ou se são poucos, a realidade mostra-nos que são mais de 200 000 mil. A restante análise deixo para quem a queira fazer.

Figura 2 - "Ganho Médio" por Carreira, em euros na Administração Pública

Fonte: Jornal Público


Por fim vamos à Figura 2, onde parece que me posso fundamentar para o que comecei por dizer no princípio deste artigo: existem possivelmente Carreiras, que quando comparando com outras, alguém anda a protestar de “barriga cheia” fazendo constar que são uns desgraçadinhos que nem ganham para a farda, que têm muitas dívidas, cantam o hino, apelam às armas, e, invade-se a Assembleia onde é suposto estarem aqueles que são eleitos e representantes do povo.

 Assim, este estudo diz-nos que, o “ordenado médio” na Polícia de Segurança Pública é de   1 770 euros, mais 150 euros do que por exemplo o de um Enfermeiro, e mais 300 euros do que um Técnico de Diagnóstico e Terapêutica (todos Técnicos Superiores); na GNR, o dito é (idêntico ao de um Técnico Superior ou de um Enfermeiro) 1 627 euros. Nas Forças Armadas o “ordenado médio” é de apenas 1 473 euros. Pergunto, à maioria dos portugueses:

- Estarão os nossos Polícias e GNR, assim tão mal pagos, comparando com os restantes portugueses, cujo salário médio não vai além dos 950 euros?

Em relação aos Docentes do Ensino Básico e Educadores de Infância, diz-nos este estudo que o seu “vencimento médio” é de 2 053 euros, em média mais 400 euros que os outros Técnicos Superiores da Administração Pública que não vão além dos 1 631 euros. Os nossos Professores ganham mais do dobro do “ordenado médio” de cada português que trabalha por conta de outrem. E se tivermos ainda em conta, que esta a Carreira é que mais Funcionários tem em Portugal, isto representa para o país um total de 3,5 mil milhões de euros/ano. Pergunta-se aos portugueses:

- Comparando com os restantes portugueses, e com os restantes Técnicos Superiores da Administração Pública, paga Portugal mal aos seus educadores?

Claro que poderemos sempre argumentar que sim. Todos os portugueses deveriam ganhar mais, que todos estamos mal pagos, que nos outros países, em média, ganham o dobro, que cada um tem que puxar para si, etc., etc. Mas mais uma vez a realidade é o que é, e não aquilo que cada um de nós sonhava que fosse.

Em Portugal cada um de nós, ou cada grupo profissional, ou cada corporação, acha-se sempre melhor que a outra. A nossa pouca humildade, nunca nos leva a questionarmo-nos quanto valemos de facto, ou qual o valor da nossa produção. Isto é um problema que nos acompanha desde o início da nacionalidade.

Por isso nada melhor que terminar, com um texto do Padre António Vieira, in 'Sermões', que já no século XVII, escrevia isto:

"UM DIA A GANÂNCIA EVAPORA.SE"

Em Portugal cada um Quer Tudo E quando os homens são de tal condição, que cada um quer tudo para si, com aquilo com que se pudera contentar a quatro, é força que fiquem descontentes três. O mesmo nos sucede. Nunca tantas mercês se fizeram em Portugal, como neste tempo; e são mais os queixosos, que os contentes. Porquê? Porque cada um quer tudo. Nos outros reinos com uma mercê ganha-se um homem; em Portugal com uma mercê, perdem-se muitos.

Se Cleofas fora português, mais se havia de ofender da a metade do pão que Cristo deu ao companheiro, do que se havia de obrigar da outra metade, que lhe deu a ele. Porque como cada um presume que se lhe deve tudo, qualquer cousa que se dá aos outros, cuida que se lhe rouba. Verdadeiramente, que não há mais dificultosa coroa que a dos reis de Portugal: por isto mais, do que por nenhum outro empenho.

(...) Em nenhuns reis do mundo se vê isto mais claramente que nos de Portugal. Conquistar a terra das três partes do mundo a nações estranhas, foi empresa que os reis de Portugal conseguiram muito fácil e muito felizmente; mas repartir três palmos de terra em Portugal aos vassalos com satisfação deles, foi impossível, que nenhum rei pôde acomodar, nem com facilidade, nem com felicidade jamais. Mais fácil era antigamente conquistar dez reinos na Índia, que repartir duas comendas em Portugal. Isto foi, e isto há-de ser sempre: e esta, na minha opinião, é a maior dificuldade que tem o governo do nosso reino.”

Em 400 anos nada mudou! Continua actual....

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